sábado, 28 de fevereiro de 2009

O que construir

Esta é a parte mais difícil do projeto (em qualquer tipo de projeto), que é definir o escopo do mesmo. Agora temos que ser sensatos, parar de viajar e definir com clareza o que vamos fazer. Podemos usar a metodologia dos 5W + 2H:

  • What (o que fazer - um veículo artesanal, dois lugares, aberto, motor dianteiro XYZ e tração traseira)
  • When (quando fazer - defina você: vou começar quando? semana que vem? mês que vem? e quando vou trabalhar? nos fins de semana? nas quintas à noite? nos dias primos que não tenha jogo do meu time?)
  • Where (onde fazer - na garagem? na sala de estar? num cantinho da casa do avô?)
  • Why (porque fazer - veja o post a respeito)
  • Who (quem o fará - sozinho? com a ajuda de um serralheiro? contratar um engenheiro desempregado da ex-equipe Honda?)
  • How (como fazer - vou comprar ou alugar as ferramentas? vou seguir o projeto "by the book" ou vou fazer algo diferente?)
  • How much (quanto custará - vou comprar todas as peças novas ou usar o máximo de usados permitidos pela lei? vou pagar aluguel de oficina, ferramentas, mão de obra?)

Depois de responder estas perguntas, com toda a sinceridade, você vai fazer um contrato registrado em cartório com você mesmo, assumindo que assim será. Qualquer mudança nestas premissas, a partir de agora, terão um custo muito maior. Pode acontecer algum imprevisto - o seu avô vendeu aquela casa espaçosa e mudou para um apê e você ficou sem oficina, o engenheiro da Honda arranjou um bico na USF1 e te deixou na mão... Mas estes são fatores que estão além de seu controle, para os quais você deve bolar planos de contigência.

Como pode ver os ítens "quem" e "como" se misturam um pouco, pois, por exemplo, se você contratar um serralheiro, ele terá muitas das ferramentas, se você for fazer algo diferente, vai precisar do engenheiro da ex-Honda (se ele não for você).

No "quando" eu não arriscaria colocar uma data limite - vou terminar dia tal do mês tal do ano tal, a menos que você já tenha alguma experiência em projetos similares. Em tese você vai precisar de cerca de 500 horas de trabalho:

  • Aquisição da matéria prima – 8 horas
  • Desmontagem do doador – 16 horas
  • Limpeza química das peças do doador utilizáveis – 8 horas (serviço externo)
  • Pintura protetora das peças do doador – 8 horas (serviço externo)
  • Adequação dos desenhos às peças do doador (suporte de motor, transmissão, eixo traseiro, etc) – 40 horas???
  • Corte do material – 16 horas
  • Soldagem provisória das partes do chassi – 24 horas
  • Aquisição de peças de prateleira (farois, lanternas, conduítes de freio, de gasolina, etc) – 20 horas
  • Montagem provisória dos órgãos mecânicos – 36 horas
  • Ajustes geométricos do chassi – 24 horas???
  • Soldagem definitiva das partes do chassi, suportes e afins – 16 horas
  • Acabamento das soldas – 8 horas
  • Pintura eletrostática do chassi e outras peças fabricadas – 8 horas (serviço externo)
  • Montagem dos componentes definitivos (elétrica, combustível, direção, etc) – 80 horas
  • Chapeamento da carroceria – 40 horas
  • Modelagem do nose cone com os componentes definitivos – 24 horas
  • Acabamento de interior – 24 horas
  • Testes e ajustes – 40 horas???
  • Pintura final – 16 horas (serviço externo)
  • Homologação como veículo artesanal – 24 horas
  • Só alegria..

Não considerando aí a busca daquele motor naquela loja em outra cidade, que não abre aos sábados, um parafuso que não quer sair, etc... Se você trabalhar sozinho e religiosamente 8 horas por semana (todo sábado, por exemplo), serão 63 semanas!!! E o que está marcado com "???" é uma estimativa otimista, se nada der errado, e você só vai saber depois que fizer.

MAS NÃO DESANIME!!!! O melhor está por vir. Vamos passar ao leiáute.

Por que construir um locost?

Uma pessoa resolve construir um locost por vários motivos. Das opções abaixo, algumas são racionais, outras são tremendas roubadas. Escolha a(s) sua(s).
  1. Quero ter um carro que eu mesmo fiz.
  2. Quero ter um carro diferente dos outros.
  3. Quero ter um carro esporte, mas não tenho grana para uma Lambo.
  4. Eu monto (montei) miniaturas Revell desde quando era garoto. É a mesma coisa.
  5. Eu trabalho (trabalhei) no ramo automotivo. É a mesma coisa.
  6. Eu tenho (tive) uma lancha. É a mesma coisa.
  7. Vai ser um jeito de passar o tempo.
  8. Vai ser uma forma de terapia.
  9. Vai ser um processo de auto-conhecimento.
  10. Vou formar um grupo de locosteiros e organizar uns track days.
  11. Vou fabricar para os amigos e ganhar uma graninha.
  12. Vou montar uma fábrica e ganhar muita grana.
  13. Entendo mais de carro que aqueles manés da Porsche.
  14. Entendo mais de carro que aqueles(as) manés dos programas de carros da TV.
  15. Entendo mais de carro que o mané do meu primo (cunhado).

Já que eu (não) tenho idéia de porquê vou construir um locost, vamos ver o que é construir um.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Perguntas e respostas (talvez...)

Para facilitar, o FAQ ("Perguntas Freqüentemente Perguntadas") vai ficar só neste post. Façam as perguntas nos comentários e alguém, algum dia, as responderá.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Plano de Ação

Pretendo abordar cada assunto, não necessariamente nessa ordem:

  • Por que construir um locost
  • O que construir?
  • Bê-a-bá do projeto
  • O carro doador
  • Chassi
  • Transmissão
  • Motorização
  • Suspensão dianteira
  • Suspensão traseira
  • Direção
  • Freios
  • Carroceria
  • Elétrica
  • Acabamento
  • Legalização
  • Abobrinhas em geral

IMPORTANTE:

Só comece o projeto se você tiver espaço para essa tralha toda, e ainda para o carro doador (falarei desse detalhe depois), e por muito tempo. Esses projetos levam dois, três anos para saírem e não é só questão de dinheiro, mas um tanto de coisa acontece, às vezes seu trabalho ou família não te permitem trabalhar naquele fim de semana programado, no outro você vai jogar bola, no outro tem churrasco na casa do vizinho, etc, etc, etc. Assim, por maior que seja seu empenho, planejamento e disponibilidade de recursos, as coisas não andarão rápido como se imaginou. É necessário disciplina para tocar o projeto, às vezes alguns problemas o farão ter vontade de por fogo em tudo, mas fazê-lo seguindo uma escala rígida e imutável o tornará uma obrigação, não um prazer.

Agora vou trabalhar. Esse negócio de blog vicia...

O carro doador

O projeto do Lotus Seven original usava mecânica Ford com motor longitudinal dianteiro, tração com eixo rígido na traseira. Muito simples, era o padrão de sua época.

A Ford continuou a fabricar carros nesse layout até a década de 80, assim, as réplicas que apareceram por lá tinham fartura de carros doadores nesse layout (Ford Cortina, Sierra, Escort, etc).

Mas estamos no Brasil, e contamos nos dedos de uma mão os carros da década de 80 com esse layout: Opala, Chevette e com muita boa vontade - Alfa Romeo, Maverick, Polara (Dodge e Galaxie não rolam mesmo).

Teoricamente, o Chevette é a melhor opção, é quase o mesmo layout, dimensão, peso e o deslocamento do motor do Escort europeu de tração traseira (Mark I & II). Mas aí tem algumas pegadinhas. O eixo traseiro do Chevette é mais estreito que o do Escort, assim as rodas traseiras vão se aproximar demais dos braços longitudinais da suspensão e da própria carroceria.

Alguns vão falar em usar em usar eixo de Opala (roubada: muito mais pesado). Eu mudei o offset das rodas traseiras (mandei remover e soldar de novo os discos das rodas o mais para dentro possível).

Na frente, tem que mudar tudo, a geometria da manga de eixo do Escort é totalmente diferente daquela do Chevette. (as imagens que estavam aqui eu mudei para a seção "Suspensão dianteira").

Então o carro doador básico seria o Chevette. Resolvido seguir por esse caminho, a primeira providência é dar baixa do carro no DETRAN, cuidando que o número do motor seja destacado, para você poder utilizá-lo depois. Isso é importante, pois algum picareta pode reaproveitar a carcaça, até mesmo recortar só o número de chassi e legalizar um carro roubado, igual.

Tendo levado o carro para o ferro velho onde vai largar os restos mortais dele, você vai manter para uso futuro:

  • Motor completo
  • Transmissão completa
  • Eixo traseiro completo
  • Mangas de eixo dianteiras, rodas, cubos de rodas, molas e amortecedores (para facilitar, pegue o agregado dianteiro todo, depois você desmonta tudo em casa)
  • Sistema de direção completo, com todos os suportes
  • Sistema de freios completo (incluindo freio de mão)
  • Toda a parte elétrica, sem exceção
  • Bancos, volante, painel de instrumentos (só onde vão os instrumentos), botões do painel, retrovisores
  • O que mais você quiser, se for um cara muito sentimental

Lembrando que o que você deixar para trás no ferro velho agora, custará muito mais caro na frente.

Vamos ver, na frente, que muitas peças deverão obrigatoriamente ser novas (e você terá que apresentar as respectivas notas, na hora da inspeção veicular), mas as velhas servem para efeito de medição e pré-montagem.

OU

Ou, se está ficando difícil achar Chevettes e o motor AP é o novo motor de Fusca, podemos fazer algo mais radical - comprar os componentes individualmente e montar, por exemplo, um FrankensteinWagen.

Vou falar primeiro do que é obrigatório ser novo (tem uma portaria do DENATRAN que eu não me lembro qual, da qual eu havia copiado o que interessa):

...3 - Fabricação própria de veículos de passageiros.

3.1 - Componentes novos:

  • pontas de eixo;
  • cubos de rodas;
  • rolamentos;
  • braço de direção;
  • ponteira de direção;
  • caixa de direção;
  • amortecedores;
  • molas;
  • rodas;
  • pneus;
  • sistema de freio completo (dianteiro e traseiro);
  • sistema elétrico e de iluminação;
  • lanternas sinalizadoras.

3.2 - Os demais componentes, não especificados, poderão ser recondicionados ou em bom estado de conservação, verificados pela entidade credenciada pelo INMETRO...

Lembrando que o motor deve ser adquirido com nota fiscal e, se usado, também a comprovação que o veículo ao qual ele pertencia foi baixado no DETRAN (pode ser verificado o número do motor no cadastro de baixados no DETRAN).

Precisamos então definir qual carro será a base da construção. Novamente o Chevette é favorito porque é o único de tração traseira com peças de reposição ainda facilmente encontráveis. O motor AP longitudinal é a opção mais versátil, mas o motor de Monza ou Vectra encaixa bem também na caixa de Chevette 5 marchas.

Aí se abre um leque amplo de combinações, que não daria para relatar todas. Tem um cara em SP que fez um magnífico modelo com motor Ford OHC 2300 (Maverick, Ranger, etc). Vamos discutir as opções de motorização em outra seção.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O início... e a listinha básica

Comecei a enlouquecer quando vi por acaso um modelo do Lotus Seven numa loja de modelismo. Já conhecia o carro, aliás sempre fui fã da filosofia do Colin Chapman, quanto mais leve melhor...

Gugando (gugleando? googling?) acabei por deparar com os locosts portugueses. Aí já estava louco de pedra. Encomendei o livro do Ron Champion, fiz um curso de solda MIG no SENAI, e comecei a montar minha oficina - precisava de espaço para uma mesa de 1,50 x 3,00 m, mais uma sobra de 1 metro de cada lado (3,50 x 5,00 m - uma vaga de garagem espaçosa) para fazer a montagem.

Já trabalhava com design e fabricação de equipamentos eletrônicos, e tinha fornecedores na área metal-mecânica, isso ajudaria muito, mas fabricar um locost é artesanal, não dá para comprar ou mandar fazer tudo, e maior será seu prazer quanto mais coisas você tiver feito por conta própria.

Voltando à oficina: além do espaço, e da mesa, que tem que ser bem nivelada e lisa (se puder usar uma chapa de aço de 3 mm no tampo, vai ser uma mão na roda na hora de soldar, já fica tudo aterrado) é necessário:
  • Máquina de solda MIG 150 ampéres (comprada usada ou locada só na hora que estiver tudo planejado, medido e cortado). Pode ser uma solda elétrica comum, você pode só pontear as peças no lugar e mandar fazer a solda definitiva fora.
  • Máscara de soldador (MIG), avental e luvas de raspa (é barato e poupa suas roupas).
  • Escovão de aço para limpar soldas.
  • Furadeira/parafusadeira de 1/2" (Bosch linha profissional, para não passar raiva - P.N.P.R).
  • Policorte de 10" ou esmerilhadeira angular de 4" (a segunda opção é mais versátil).
  • Conjunto de chaves de fenda, philips, boca e estrela em mm (Belzer ou Gedore, P.N.P.R).
  • Brocas de aço rápido (aos montes).
  • Martelo bola de 300 gramas.
  • Alicate de pressão para solda.
  • Grampos de fixação com abertura mínima de 60 mm (uns 4).
  • Arco de serra.
  • Bacia grande para lavar peças (uma bombona de plástico cortada ao meio, na vertical).
  • Régua de aço de 1 metro.
  • Paquímetro de 150 mm.
  • Transferidor de aço.
  • Alicate de rebite pop.
  • Esmeril.
Outras coisas que ajudam, mas não são imprescindíveis:

  • Furadeira de coluna ou de bancada.
  • Prensa hidráulica de 10 toneladas (isso é a pressão que ela exerce, não o peso dela!!!!).
  • Retíficadeira de 3/16" (Makita, P.N.P.R).
  • Tesouras de chapa (tem três tipos: reta, esquerda e direita).
  • Carrinho de mecânico com gavetas com chave para guardar as ferramentas (importante se você tiver filhos pré-adolescentes que gostam de fuçar em tudo, ou amigos que pegam emprestadas as ferramentas e não devolvem).
  • Alguma coisa que você achará quando for em alguma boa loja de brinquedos, quer dizer de ferramentas, e fará você pensar como viveu até hoje sem isso...

Algumas coisas você vai ter que fazer fora, então descubra fornecedores de:

  • Chapas e tubos de aço, chapas de alumínio.
  • Serviço de corte e dobra de chapas.
  • Um soldador MIG que faça as soldagens definitivas, se você não estiver 100% seguro de sua capacidade (em um sábado dá para fazer isso).
  • Serviço de pintura eletrostática (que caiba o chassi pronto - 1,20 x 3,00 x 0,80 m).
  • Capoteiro e eletricista, se você não quiser mexer nessas áreas.
  • Uma oficina credenciada no INMETRO para expedir o CSV (Certificado de Segurança Veicular), com o qual você poderá emplacar a sua criação como veículo artesanal.

E não se esqueça - guarde as notas fiscais de TODO O MATERIAL que você comprar (peças, tubos, chapas, pneus, pizzas, pomada para queimadura, etc), elas serão exigidas para a certificação.

IMPORTANTE:

Só comece o projeto se você tiver espaço para essa tralha toda, e ainda para o carro doador (falarei desse detalhe depois), e por muito tempo. Esses projetos levam dois, três anos para saírem e não é questão de dinheiro, mas um tanto de coisa acontece, às vezes seu trabalho ou família não te permitem trabalhar naquele fim de semana, no outro você vai jogar bola, no outro tem churrasco na casa do vizinho, etc, etc, etc. Assim, por maior que seja seu empenho, planejamento e disponibilidade de recursos, as coisas não andarão rápido como se imaginou.

Por que esse blog?

E eu criei esse blog para falar do meu projeto de Locost. Eu havia criado um outro antes, mas ele sumiu...

Então vamos começar de novo. Para começar, algumas fotos e links de outros projetos (depois que eu descobrir como, coloco os meus favoritos no lugar certo):